Fome Fabricada: Como o Mundo Assiste Inerte à Catástrofe Alimentar que Consome a África Ocidental e Central
- Clandestino
- 10 de mai.
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Enquanto o mundo se distrai com disputas geopolíticas e mercados financeiros, uma tragédia silenciosa e massiva se desdobra na África Ocidental e Central: milhões de seres humanos caminham rumo à fome extrema. O alerta vem do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que denuncia uma escalada alarmante da insegurança alimentar, alimentada por guerras, deslocamentos forçados, inflação galopante e desastres climáticos cada vez mais intensos.

De acordo com a mais recente análise do PMA, mais de 36 milhões de pessoas já não conseguem suprir suas necessidades alimentares básicas — e esse número deve ultrapassar 52 milhões durante o período crítico entre junho e agosto, conhecido como a "estação da escassez". Nessa massa invisibilizada de sofrimento, cerca de três milhões enfrentam níveis emergenciais de fome. No norte do Mali, 2.600 pessoas estão à beira de uma crise alimentar catastrófica — um prenúncio de mortes em larga escala, se nada for feito.
Apesar da dimensão da tragédia, os recursos estão secando. Margot van der Velden, diretora regional do PMA para a região, foi categórica: sem apoio financeiro imediato, a operação será obrigada a cortar beneficiários e reduzir o volume das rações distribuídas. “Estamos diante de escolhas cruéis: quem salvar e quem deixar para trás”, declarou.
A realidade no terreno é devastadora. Ollo Sib, conselheiro sênior de pesquisa do PMA, que visitou recentemente comunidades afetadas no Sahel, descreveu um cenário de desespero. No norte de Gana, agricultores tentam semear repetidamente em terras ressecadas por uma seca sem precedentes. Cada tentativa frustrada significa um rombo financeiro insustentável, com os preços de sementes e fertilizantes disparando.
No Mali, pastores tradicionais — cuja sobrevivência depende da venda de gado para comprar alimentos — estão encurralados. Os preços dos alimentos subiram 50% em comparação com a média dos últimos cinco anos, enquanto os mercados se tornaram inacessíveis devido à insegurança e ao colapso das rotas comerciais.
O quadro sombrio é agravado por conflitos armados persistentes, que já forçaram o deslocamento de mais de 10 milhões de pessoas. Desse total, oito milhões são deslocados internos, concentrados em países como Nigéria e Camarões. O restante são refugiados espalhados por Chade, Mauritânia e Níger. Em paralelo, a inflação dos alimentos, impulsionada por choques econômicos e pelo aumento dos preços dos combustíveis, empurra ainda mais famílias para o abismo.
E o clima não dá trégua. Inundações, secas e eventos extremos, cada vez mais recorrentes, corroem a resiliência das populações. A cada temporada, menos pessoas conseguem se recuperar. E quando tudo falha, resta apenas a ajuda humanitária — que, agora, também falha.
Apesar do cenário apocalíptico, o PMA afirma estar preparado para ampliar sua resposta, caso consiga angariar US$ 710 milhões até o final de outubro. O plano é alcançar cerca de 12 milhões de pessoas com ajuda emergencial. Até o momento, apenas três milhões receberam algum tipo de assistência. Se os recursos não chegarem, cinco milhões de vidas serão deixadas à própria sorte.
A agência da ONU também faz um apelo por medidas estruturais. Desde 2018, tem trabalhado com governos locais para combater as raízes da fome, reabilitando mais de 300 mil hectares de terras e apoiando mais de quatro milhões de pessoas em milhares de vilarejos. Mas o tempo está se esgotando. A fome avança mais rápido do que as soluções.
Enquanto isso, o silêncio internacional pesa mais do que qualquer fardo logístico. A fome não é uma catástrofe natural: é um produto político — e, portanto, evitável. Mas, por ora, é tratada como uma estatística esquecida num continente sistematicamente marginalizado.
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