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Bombas atômicas e enriquecimento de urânio assassina africanos

  • Foto do escritor: Siqka
    Siqka
  • 24 de jun.
  • 5 min de leitura

Nas últimas semanas, o mundo assistiu atônito a uma escalada brutal entre Israel e Irã. A justificativa: o enriquecimento de urânio por Teerã e a "ameaça" fabricada de uma bomba nuclear que nunca existiu. Ataques a instalações nucleares iranianas, mísseis disparados em resposta e um número crescente de civis mortos de ambos os lados. Mas enquanto os holofotes estão voltados para o Oriente Médio, o que poucos observam é o palco invisível sobre o qual essa guerra se ergue: o continente África. É nos subterrâneos de Níger, Namíbia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo e outros países que jaz a verdadeira base energética e militar dessa disputa.


Felizmente, o mundo escapa — ao menos por agora — da barbárie de testemunhar uma bomba nuclear devastar milhares, talvez milhões de vidas inocentes. No entanto, essas mesmas armas — construídas com urânio enriquecido extraído do solo africano — já causaram a morte de milhares, ou milhões de africanos, não pela explosão, mas pela violência silenciosa da exploração, da contaminação e do abandono.


Antes de prosseguir, preciso trazer um dado ilustrativo. Atualmente os países que possuem suas bombas atômicas são: Rússia (5.580 ogivas); Estados Unidos (5.244 ogivas); China (500 ogivas); França (290 ogivas); Reino Unido (225 ogivas); Paquistão (170 ogivas); Índia (172 ogivas); Israel (80 a 90 ogivas); e Coreia do Norte (30 a 50 ogivas). – E de onde veio a matéria-prima principal para tantas ogivas? – Sim, do continente africano.


Vale lembrar que o urânio utilizado nas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foi extraído do continente africano, especificamente da então colônia belga do Congo, atual República Democrática do Congo. A mina de Shinkolobwe, localizada na província de Katanga, forneceu o urânio de altíssima pureza que alimentou o projeto Manhattan dos Estados Unidos. Essa extração ocorreu sob condições coloniais brutais, com trabalhadores congoleses submetidos a jornadas exaustivas, sem proteção contra radiação e sem qualquer direito sobre os recursos explorados. Enquanto a bomba "Little Boy" dizimava Hiroshima, os lucros do minério extraído seguiam para a Bélgica e os Estados Unidos, deixando um rastro de contaminação e pobreza no Congo — uma cicatriz radioativa que só aumenta.


Trabalhadores de uma mina ilegal de ouro em Gana. ©George Osodi
Trabalhadores de uma mina ilegal de ouro em Gana. ©George Osodi

Pouco se fala sobre a origem do urânio que abastece os arsenais e usinas das potências nucleares sejam elas para fins pacíficos ou não. Elas não estão no Irã nem em Israel, ou mesmo na França, ou Estados Unidos. Está em território africano, extraído de forma sistemática e predatória por corporações europeias e interesses ocidentais. Níger, por exemplo, fornece cerca de 5% da produção global de urânio, sendo um dos principais fornecedores da França, país que mantém cerca de 70% de sua matriz energética baseada em energia nuclear.


A empresa francesa Orano (antiga Areva) explora minas em Arlit e Akokan, no norte do Níger, há décadas. Os lucros voam para Paris. A radiação, a miséria e a água contaminada ficam com o povo tuaregue, que vive cercado por desertos crescentes e promessas vazias de desenvolvimento. Em 2023, após o golpe militar no Níger, o governo suspendeu as exportações de urânio para a França, denunciando décadas de pilhagem — o que resultou em pressões, sanções e manobras geopolíticas camufladas como “cooperação”. [1]


Na Namíbia, outro país africano rico em urânio, a mineradora Rossing Uranium, controlada até recentemente pela anglo-australiana Rio Tinto e agora pela estatal chinesa CNNC, explora recursos em uma das maiores minas do mundo. Os trabalhadores, na maioria negros, lidam diariamente com exposição à radiação em troca de salários miseráveis, enquanto as empresas multinacionais lucram bilhões. [2]


Na República Centro-Africana, as reservas de urânio, embora ainda pouco exploradas, já estão sob o radar de empresas ocidentais, provando que na luta pelo subsolo africano, não existem inocentes.


Minas de coltan e cobalto na República Democrática do Congo – Arquivo
Minas de coltan e cobalto na República Democrática do Congo – Arquivo

Guerra nuclear? Não. Guerra por recursos.

A narrativa vendida pelos meios de comunicação ocidentais apresenta a disputa Irã-Israel como uma questão de segurança global, mas ignora o contexto material dessa tensão. Israel, embora nunca tenha declarado oficialmente, é amplamente reconhecido como uma potência nuclear desde os anos 1960, com urânio enriquecido obtido com apoio dos EUA e da França. O Irã, por sua vez, afirma desenvolver energia nuclear para fins pacíficos, mas sofre embargos, sabotagens e bombardeios por "supostamente almejar armas nucleares".


O ponto central, no entanto, é este: ambos os países, e todos as outras potências atômicas, dependem da mesma matéria-prima extraída da África, com a diferença de que os povos africanos nunca são convidados à mesa onde se decide o destino de seu próprio chão. Enquanto as bombas não explodem em Teerã ou Tel Aviv, elas já detonam lentamente em Agadez, Arlit, Windhoek e Katanga na forma de conflitos armados, doenças, fome, estupro, deslocamentos forçados e colapso ambiental. O urânio africano é o combustível da guerra moderna — e também da miséria crônica de seus povos.


Submissão radioativa e o colonialismo que nunca terminou

A exploração de urânio na África é o mais cruel símbolo da continuidade colonial. As fronteiras artificiais criadas no século XIX ainda servem aos interesses das metrópoles do século XXI. A França, por exemplo, ainda exerce um domínio econômico neocolonial sobre suas ex-colônias da África Ocidental, sob o disfarce da Francofonia e de "parcerias estratégicas".


O acesso aos recursos minerais africanos, sobretudo o urânio, é garantido por bases militares, acordos opacos e pela eliminação de governos que ameacem esse arranjo. Foi assim com Thomas Sankara, em Burkina Faso, que denunciou a exploração imperialista antes de ser assassinado em 1987. É assim com qualquer liderança que ouse contrariar o eixo euro-americano de controle energético e militar.


A quem serve a energia nuclear?

A retórica da segurança energética, da soberania nuclear e da dissuasão atômica serve apenas a uma minoria de países poderosos que concentram a tecnologia, o capital e o controle militar. À África — verdadeira detentora da matéria-prima — resta o papel de colônia extrativista, uma “zona de sacrifício” global.


Se existe um eixo do mal, ele não está nos desertos iranianos nem nas colinas da Galileia. Está nos escritórios das multinacionais, nos gabinetes das potências europeias e nas cúpulas militares que continuam alimentando um sistema baseado na pilhagem, na desigualdade e na morte.


Não é sobre o Irã, é sobre o urânio. E sobre quem morre por ele. As guerras do presente e do futuro não serão apenas por ideologias ou religião — mas, sobretudo, por minerais. Urânio, lítio, cobalto. Todos eles arrancados das entranhas da África, ao custo de vidas invisibilizadas. A guerra entre Israel e Irã é apenas mais um capítulo do teatro geopolítico que mascara o verdadeiro saque. Quem lucra com isso não são os povos, mas os impérios ocidentais.


E enquanto os céus se iluminam com mísseis e os radares anunciam retaliações, nos desertos africanos, homens e mulheres continuarão a morrer em silêncio — contaminados, explorados e esquecidos.



Referências:

[1] Le Monde Diplomatique - O roubo do urânio nigerino pela França

[2] World Nuclear Association - Uranium in Africa


1 Comment


Perfeito, camarada! Parabéns pelo texto!

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