25 de maio, Dia da África: Uma data de celebração no ocidente e vazia em um continente ainda subjugado
- Siqka
- 25 de mai.
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Neste 25 de maio, celebra-se o Dia da África, data que assinala a fundação da Organização da Unidade Africana (OUA) em 1963 — entidade posteriormente transformada na União Africana. A ocasião remete à memória de figuras emblemáticas das lutas anticoloniais, como Kwame Nkrumah (Gana), Patrice Lumumba (atual República Democrática do Congo), Samora Machel (Moçambique), Agostinho Neto (Angola), Ahmed Ben Bella (Argélia), Thomas Sankara (Burkina Faso), entre tantos outros que, com coragem e sacrifício, reivindicaram a liberdade, a soberania e a autodeterminação dos povos africanos.
Contudo, a leitura recente do artigo Como o Fundo Monetário Internacional subdesenvolve a África: O Vigésimo Primeiro Boletim (2025), publicado pelo Instituto Tricontinental, reativou em mim uma inquietação persistente: até que ponto o continente africano conquistou, de fato, sua libertação?
Em 2023, a dívida total dos países africanos em desenvolvimento alcançou o alarmante montante de US$ 11,4 trilhões — um salto de mais de quatro vezes em relação aos US$ 2,6 trilhões registrados em 2004. Esse endividamento exponencial desencadeou crises fiscais em mais de trinta das sessenta e oito nações de baixa renda. À luz desse cenário, mais de seis décadas após o simbólico gesto de unidade continental, impõe-se uma pergunta incômoda, porém necessária: a África está verdadeiramente emancipada e livre ou permanece subjugada por mecanismos sofisticados de dominação como FMI, Apple e Tesla?

A independência formal, celebrada em calendários e cerimoniais, não rompeu com as estruturas profundas de dominação. A ingerência estrangeira, antes manifesta em administrações coloniais diretas, hoje se apresenta sob roupagens mais sutis — mas não menos perniciosas: contratos desiguais, dependência econômica, espoliação sistemática dos recursos naturais e chantagens financeiras impostas por organismos multilaterais.
Na República Democrática do Congo, por exemplo, o governo negocia com os Estados Unidos um acordo que garantiria acesso a minerais estratégicos como lítio e cobalto, em troca de investimentos em infraestrutura e assistência em zonas de conflito no leste do país. Vendido como "parceria de desenvolvimento", o pacto desperta sérias preocupações sobre a perpetuação da lógica extrativista e a cristalização de uma dependência econômica crônica.
Em Moçambique, a multinacional TotalEnergies retomou um megaprojeto de gás natural liquefeito, avaliado em US$ 20 bilhões, suspenso anteriormente devido a ataques insurgentes em Cabo Delgado. Embora apresentado como vetor de progresso, o projeto é alvo de críticas por potencializar redes de corrupção, aprofundar desigualdades e agravar tensões sociopolíticas locais.
A instabilidade política e os conflitos armados continuam a devastar vastas regiões do continente, frequentemente fomentados por interesses geopolíticos e disputas em torno do controle de recursos estratégicos.
Em um panorâmico muito simplista sobre o continente, podemos ver cenários desoladores, tais como:
Sudão: Desde abril de 2023, o país mergulhou em uma guerra civil entre o Exército nacional e as Forças de Apoio Rápido (RSF), resultando em milhares de mortes e deslocamentos forçados em massa.
Nigéria: Grupos extremistas como o Boko Haram seguem promovendo massacres brutais, como o recente assassinato de 57 civis em vilarejos do estado de Borno.
Etiópia: A região de Amhara vive um ciclo prolongado de violência entre milícias locais e forças federais, marcado por ataques aéreos que vitimam populações civis.
Sahel: Países como Burkina Faso enfrentam o avanço de insurgências jihadistas, que desafiam estruturas estatais frágeis e impõem o terror cotidiano a populações vulnerabilizadas; isso, sem contar os desafios domésticos como violações de direitos humanos.
As violações dos direitos humanos e as práticas de expropriação de riquezas seguem presentes em diversas regiões do continente. No Saara Ocidental, por exemplo, o Marrocos continua a explorar ilegalmente os recursos naturais — como fosfatos e pescado — de um território cuja autodeterminação é reiteradamente negada, mesmo diante das sucessivas resoluções da ONU e do clamor do povo sarauí.
Esses cenários, longe de serem conflitos "tribais" ou "locais", são atravessados por interesses transnacionais que operam na sombra — alimentando guerras de baixa intensidade enquanto extraem riquezas com alta intensidade.

Com este cenário, a palavra não deveria ser "celebrar", afinal, celebrar o quê? O Dia da África deveria ser, em sua essência, uma celebração da dignidade restaurada, da soberania efetiva e da solidariedade entre os povos. No entanto, a realidade se impõe em independências que não se traduziram em libertação concreta. As promessas do pan-africanismo esbarram nas alianças cínicas, nas estruturas de dominação mantidas sob novas bandeiras e na hipocrisia do discurso anticolonial instrumentalizado por regimes autoritários.
Como bem observa Mohammed Hadjab, amigo, professor e também colunista do Jornal Clandestino:
"O verdadeiro panafricanismo não pode ser construído sobre autoritarismo e alianças oportunistas. Ele exige compromisso ético, soberania real e solidariedade entre os povos — não discursos vazios. Trata-se de um projeto sério, popular, solidário e profundamente ético. Num momento em que o discurso anticolonial é instrumentalizado para legitimar o inaceitável, Isabelle Lourenço devolve ao pensamento crítico o seu fio cortante — e à África a sua dignidade e complexidade."
Urge, portanto, uma reconfiguração profunda do pacto político, econômico e simbólico que sustenta a subalternidade do continente africano. Quebrar os grilhões do neocolonialismo requer mais do que acordos diplomáticos: exige uma insurgência ética e popular capaz de restaurar à África a condução de seu próprio destino. Celebrar o Dia da África sem enfrentar essas contradições é perpetuar uma liberdade encenada — um ritual vazio sobre um continente ainda amordaçado.
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