Prisão de Succès Masra: um golpe contra a esperança democrática no Chade
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- 1 de ago.
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No dia 16 de maio, a capital do Chade, N'Djamena, tornou-se ser palco de mais uma prova da fragilidade da sua transição política. Succès Masra, líder da oposição e ex-primeiro-ministro, foi preso sob acusação de cumplicidade em violência intercomunitária. Mas, para muitos, a detenção não passa de uma manobra para silenciar um dos maiores críticos do presidente Mahamat Idriss Déby e neutralizar o impacto das denúncias de fraude que marcaram as eleições de maio de 2024 — eleições que devolveram Déby ao poder.

Política no Chade: além da esquerda e da direita
Para entender o que está em jogo, é preciso reconhecer que a política no Chade — assim como em boa parte da África Central — não se organiza na lógica “esquerda x direita” ocidental. O que predomina são as dinâmicas de poder militar, alianças de clã e sobrevivência do regime.
Succès Masra representa uma oposição reformista. Jovem tecnocrata formado na Europa, fundou o Les Transformateurs com um discurso de democracia, justiça social e renovação política. Suas pautas se aproximam de uma centro-esquerda liberal-progressista dentro do contexto africano, atraindo sobretudo jovens urbanos cansados da corrupção.
Mahamat Idriss Déby chegou ao poder em 2021, após a morte do pai, Idriss Déby Itno, que governou o país por mais de 30 anos de forma autoritária. Seu governo se apoia em militares e nas elites ligadas ao clã Zaghawa. Conta ainda com o apoio internacional da França e, em parte, dos EUA, que o veem como aliado estratégico contra grupos distintos no Sahel. Ideologicamente, pode ser comparado a uma direita autoritária e militarista, mas sem programa econômico claro — trata-se de um regime sustentado por clientelismo armado.


O peso do Acordo de Kinshasa
A prisão de Masra representa também uma grave violação do Acordo de Kinshasa, mediado em outubro de 2023 pelo presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi. O pacto, assinado entre o governo chadiano e o partido de Masra, Les Transformateurs, buscava encerrar a crise desencadeada em 2022, quando forças de segurança abriram fogo contra manifestantes que exigiam o retorno ao governo civil. O massacre deixou dezenas de mortos e centenas de presos, muitos levados à temida prisão de Koro Toro, a mais de 600 km da capital.
Amontoados em caminhões, sem água, comida ou assistência médica, vários detidos morreram no trajeto. Esse episódio tornou-se um símbolo cruel da repressão estatal.
O acordo — ainda que imperfeito, já que previa anistia aos militares envolvidos nos assassinatos de 2022 — oferecia garantias mínimas à oposição: o retorno seguro de Masra do exílio, o fim do mandado de prisão contra ele e a liberdade para seu partido atuar politicamente. Foi nesse contexto que Masra voltou ao país, assumiu como primeiro-ministro em janeiro de 2024 e, meses depois, concorreu contra Déby à presidência. Renunciou logo após as eleições, denunciando fraude. Pouco depois, foi preso.
Acusação sem provas
Atualmente, Masra é acusado de incitar confrontos intercomunitários no sul do país — choques que deixaram dezenas de mortos. O governo, no entanto, não apresentou nenhuma prova concreta de seu envolvimento. Ele permanece em prisão preventiva, após inclusive tentar uma greve de fome.
Essa prisão, além de politicamente motivada, mina a credibilidade de qualquer acordo de reconciliação futura. A mensagem é clara: retornar ao jogo político pode ser cair numa armadilha.
O silêncio de Tshisekedi e os riscos regionais
Como fiador do Acordo de Kinshasa, Félix Tshisekedi tem a responsabilidade moral e política de reagir. No entanto, seu silêncio — assim como o da Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC) — apenas fortalece a mão autoritária de Déby e mina a confiança regional.
O Chade é um país estratégico no coração da África Central, região historicamente marcada por rebeliões e violência estatal. Se o Acordo de Kinshasa ruir, a frágil esperança de um futuro democrático pode desaparecer.
Um futuro em jogo
A prisão de Succès Masra é um ataque contra um político de oposição, mas também contra a própria possibilidade de mudança. Se o governo do Chade continuar a sufocar adversários, e se Tshisekedi e a CEEAC permanecerem inertes, o país pode mergulhar novamente em um ciclo de instabilidade e violência. A democracia, que já parecia distante, ficará ainda mais fora do alcance do povo chadiano.





































































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