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Quem é Ahmad Sa’adat, o comunista palestino que Israel se recusa a libertar na troca de prisioneiros

  • Foto do escritor: Siqka
    Siqka
  • 14 de out.
  • 18 min de leitura

Nos últimos dias, a recusa de Israel em libertar certos palestinos cativos selecionados pelo Hamas para a troca de prisioneiros — um dos principais pontos entre os vinte itens do acordo articulado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump — tem passado quase despercebida por grande parte do ativismo digital. No entanto, há uma razão clara para o empenho israelense em impedir a libertação desses nomes.


Há alguns anos, escrevi sobre Ahmad Sa’adat como parte de um outro projeto, engavetado após os acontecimentos de 7 de outubro. Em 2019, entrei em contato com Abla, esposa de Ahmad, e realizei uma entrevista para conhecer melhor essa história. Se não fosse pelo massacre perpetrado pelas forças israelenses em Jenin, em janeiro de 2023, teria tido o prazer de encontrar Abla pessoalmente para concluir esse trabalho.


Agora, diante da resistência de Israel em libertar Sa’adat, resta-me resgatar um trecho do que escrevi à época, para que se compreenda a relevância deste comunista — Secretário-Geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), o partido comunista palestino.


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AHMAD SA’ADAT


Israel, 25 de dezembro de 2008.

Perante um tribunal militar israelense, o réu palestino se levanta. Ainda com a cabeça baixa, observa as algemas presas aos pulsos — companheiras de grande parte de sua vida. Naquele dia, elas o recordavam de toda uma história de resistência contra um sistema que o mantém prisioneiro sem jamais comprovar sua culpa. Um sistema que o pune pelos mesmos atos que pratica para mantê-lo encarcerado.

O homem diante do carrasco é Ahmad Sa’adat, detido por ter se tornado Secretário-Geral da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), um dos principais grupos de libertação nacional sob o guarda-chuva da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).


“Os delitos pelos quais o acusado foi condenado indicam que ele iniciou e participou de atividades militares com o objetivo de matar pessoas inocentes”, declarou um dos juízes durante o julgamento de Sa’adat.

Ancorados em suas próprias convicções, juízes israelenses julgavam um líder político palestino enquanto, do lado de fora do tribunal, pessoas em todo o mundo erguiam sua foto pedindo por liberdade. Sa’adat sabia melhor do que ninguém que, independentemente do que fosse apresentado em sua defesa — ou de quantas pessoas empunhassem sua imagem nas ruas —, o princípio constitucional de ser considerado inocente até que se prove o contrário não se aplicava a ele. Sua sentença já estava decidida. Seu corpo de pé diante dos juízes era apenas uma formalidade.


Durante o julgamento, Sa’adat foi repetidas vezes chamado de terrorista. Todos os anos passados na prisão o ensinaram a se transportar para longe em momentos como aquele, ignorando as provocações. A primeira vez que ouviu tal acusação foi ainda na universidade, quando se tornou ativista da União dos Estudantes da Palestina, vinculada à FPLP. Foi nesse período que o jovem universitário se aproximou do movimento comunista e, em 1969, filiou-se à Frente Popular. Na mesma época, conheceu Abla, uma jovem feminista marxista. Ainda naquele ano, foi preso pela primeira vez. Sua presunção de inocência foi ignorada, pois a justificativa para sua detenção era a participação em manifestações organizadas pelo partido — considerado ilegal pelo Estado sionista. Sua primeira pena: três meses de detenção.


Na prisão, o estudante marxista-leninista percebeu que não havia mestres mais qualificados sobre a luta de libertação nacional do que os intelectuais presos políticos com quem compartilhava a cela.


Após cumprir a pena, Sa’adat foi novamente detido — desta vez, condenado por integrar a FPLP. A sentença de 28 meses de reclusão reforçou seu compromisso com o partido, com o povo palestino e com os movimentos de libertação nacional.


Mesmo sendo preso em outras duas ocasiões, Sa’adat conseguiu concluir seus estudos pela UNRWA Teachers Training College e, em 1975, formou-se em Matemática. Só pôde exercer o ofício de professor dentro das prisões, ao ministrar aulas e promover a educação política entre os camaradas encarcerados — pois Israel voltou a prendê-lo, repetidamente.


Seu esforço de politizar os presos contra a ocupação dividia-se entre provar sua própria inocência diante de diversos tribunais militares e acompanhar o processo de libertação nacional palestino.


A presunção de inocência, em qualquer parte do mundo, é o princípio que garante que todo acusado deve ser considerado inocente até que se prove o contrário. É um pilar do Direito Processual e da democracia, segundo o qual só se pode considerar alguém culpado após provas concretas e esgotadas todas as instâncias de recurso. Entretanto, esse conceito não se aplica aos palestinos, que são tratados como culpados desde o início e, ao contrário de todos os outros sistemas penais do mundo, obrigados a provar a própria inocência — como Ahmad Sa’adat, que passou a vida tentando fazê-lo diante de um tribunal que o manteve encarcerado sem jamais conseguir provar sua culpa.


— Antes de aprofundar o conceito de presunção de inocência, é preciso revisitar os fatos históricos que moldaram a trajetória do líder comunista da FPLP.



OSLO I, ACORDO DE PAZ (1993)

Ahmad Sa’adat passou de líder estudantil a inimigo público justamente quando diplomatas norte-americanos tentavam mediar conversações entre o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e as lideranças palestinas na Cisjordânia, na tentativa de encerrar a tensão da Primeira Intifada.


Nos primeiros contatos, americanos e israelenses buscaram estabelecer vínculos com representantes palestinos que não mantivessem qualquer relação com Yasser Arafat ou com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Estados Unidos e Israel acreditavam que um acordo firmado à margem de Arafat reduziria sua influência entre os palestinos. Contudo, mesmo no exílio — então estabelecido na Tunísia —, o líder fedayin mantinha prestígio inabalável, e a OLP seguia sendo reconhecida como a principal representação política e armada do povo palestino. Assim, após oito rodadas de negociações, tornou-se evidente que nenhum diálogo poderia prosperar sem a participação direta da OLP, já que os palestinos continuavam fiéis à liderança de Arafat.


Diante do fracasso diplomático, o ministro da Defesa israelense, Shimon Peres, com o apoio de diplomatas noruegueses, abriu um canal secreto de comunicação com o alto escalão da OLP. Em 21 de janeiro de 1993, o diplomata Terje Rød-Larsen e o ministro das Relações Exteriores da Noruega, Johan Jørgen Holst, mediaram o primeiro encontro oficial entre Israel e a OLP de Arafat.


A pressão da Primeira Intifada recaía sobre os ombros de Yitzhak Rabin, que recebia cartas de soldados israelenses desiludidos com a guerra de ocupação. “Não compreendo o que faço em Gaza...”, dizia um. “Corro nas ruas atrás de crianças palestinas e me sinto mal...”, escreveu outro. Um terceiro desabafava: “Às vezes tenho vergonha de ser israelense.” Rabin, ex-comandante do Exército, sabia que sua base de apoio popular se sustentava entre os militares, e compreendia que apenas o avanço das negociações de paz poderia aliviar a crescente insatisfação interna.


Após o fracasso da mediação americana, Rabin decidiu seguir o conselho de Shimon Peres e continuar as negociações em solo norueguês. Meses depois, em 20 de agosto de 1993, o primeiro Acordo de Oslo era oficialmente assinado em Washington.


O Acordo de Oslo I previa a criação da Autoridade Nacional Palestina (ANP), responsável pela administração autônoma dos territórios palestinos. O documento estabelecia a formação de um governo provisório palestino e o início de um processo de democratização e eleições livres para o Conselho Nacional Palestino (CNP), dentro de um prazo máximo de cinco anos. O Estado de Israel, por sua vez, comprometia-se a retirar suas tropas de Gaza e Jericó. Os anexos complementares tratavam da cooperação mútua em áreas como economia, infraestrutura, transportes, comunicação, comércio, indústria e meio ambiente.


Durante a cerimônia, realizada nos jardins da Casa Branca, Yitzhak Rabin reconheceu oficialmente a OLP como a única e legítima representante do povo palestino e declarou:


“Nós, que lutamos contra vocês, palestinos, dizemos hoje com voz clara e firme: basta de sangue e lágrimas. Basta.”

Sob aplausos, Yasser Arafat caminhou em direção ao primeiro-ministro israelense e estendeu-lhe a mão. Rabin hesitou diante daquele a quem combateu por décadas, mas, por fim, correspondeu ao gesto, seguido por Shimon Peres. Arafat, ao renunciar formalmente à luta armada e reconhecer o Estado de Israel, respondeu com uma frase simbólica:


“Vim desta vez com dois ramos de oliveira.”

A Primeira Intifada foi oficialmente encerrada em 13 de setembro de 1993, logo após a criação da Autoridade Palestina. Pelos esforços em favor da paz, Yasser Arafat, Yitzhak Rabin e Shimon Peres foram agraciados, em 1994, com o Prêmio Nobel da Paz.




OSLO II, ACORDO DE PAZ (1995)

Em outubro de 1995, o Knesset — o parlamento israelense — debatia o Acordo de Oslo II. As opiniões estavam profundamente divididas, tanto em Israel quanto na Palestina. Em Jerusalém, manifestantes de direita, liderados por Benjamin Netanyahu, acusavam o primeiro-ministro Yitzhak Rabin de trair o povo israelense ao negociar com o inimigo. Rabin, porém, não cedeu às pressões da oposição e manteve-se firme nas negociações. O segundo acordo de paz seria assinado no ano seguinte.


O primeiro capítulo do Acordo de Oslo II tratava da transferência gradual de poderes de Israel para o Conselho Nacional Palestino (CNP), atribuindo-lhe responsabilidades administrativas e organizacionais nas futuras eleições. O texto previa ainda diretrizes para a segurança e a ordem pública, incluindo: o papel e a jurisdição da polícia palestina, a prevenção de hostilidades entre as partes e a construção de medidas de confiança mútua entre os dois povos.


O segundo capítulo definia a divisão administrativa da Cisjordânia em três áreas:

Área A, correspondente a 18% do território, ficaria sob administração exclusiva da Autoridade Palestina;

Área B, com 22% do território, seria de administração compartilhada entre a Autoridade Palestina e Israel;

Área C, onde se localizam as colônias judaicas ilegais, permaneceria sob controle exclusivo de Israel.


Os três capítulos seguintes abordavam questões jurídicas e de cooperação bilateral, abrangendo áreas como economia, meio ambiente, transporte e segurança.


Com a assinatura dos acordos, centenas de combatentes da OLP puderam deixar o exílio e retornar à Palestina.


“Ó, Túnis, deixamos algo para trás?”; “Sim, o que temos de mais precioso... nossos mártires.”; “Guarda-os bem, Túnis, nós te rogamos!” Mahmoud Darwish, 1994

Em 1º de junho de 1994, após 25 anos de exílio, Yasser Arafat pisou pela primeira vez na Faixa de Gaza como líder político, não mais como combatente. Ao desembarcar, ajoelhou-se, beijou o chão e proclamou:


“Com a nossa alma e o nosso sangue, nós te libertamos, ó Palestina!” Yasser rafat, 1994

Embora distantes de se tornarem “os acordos do século”, os Acordos de Oslo representavam, para muitos, uma centelha de esperança em paz, liberdade e autodeterminação. Ainda assim, provocaram sentimentos ambíguos entre palestinos e israelenses: alguns receberam o pacto com ceticismo, enquanto outros preferiram depositar nele suas esperanças.


O poeta palestino Mahmoud Darwish, autor da Declaração de Independência da Palestina (1988), ao ler o texto de Oslo, comentou que “faltavam as palavras Estado e fim da ocupação”. Assim como Darwish, Ahmad Sa’adat se opôs veementemente aos acordos. Considerava-os um pacto burguês, firmado entre uma elite palestina e a força ocupante israelense, um acordo de natureza econômica que desviava a OLP de sua essência revolucionária, trocando o ideal de libertação por promessas de melhores condições de vida sob a ocupação.


Do lado israelense, Rabin também enfrentava ataques ferozes da oposição. O general Ariel Sharon publicou no jornal Yedioth Aharonoth:


“Pela primeira vez na história do sionismo — uma história marcada por triunfos — um governo israelense recua diante daquele que representa seu mais cruel e antigo inimigo.”

Na mesma semana, dezenas de milhares de manifestantes reuniram-se na Praça Sion, em Tel Aviv, gritando “Rabin traidor!” e “Arafat assassino!”. Em uma entrevista televisionada — a última de sua vida — Rabin respondeu:


“Arafat se tornou nosso parceiro no processo de reconciliação entre nós e os palestinos. A OLP encerrou os atentados terroristas. São o Hamas e a Jihad Islâmica que cometem essas operações — e nós as combatemos vigorosamente.”

Pouco tempo depois, Yitzhak Rabin seria assassinado, tornando-se mártir de um processo de paz que, até hoje, permanece inconcluso.



ASSASSINATO DE RABIN (1995)

O governo israelense temia que grupos insatisfeitos com os acordos de paz pudessem realizar atentados contra civis ou autoridades israelenses. Sob forte pressão, a Autoridade Palestina executou uma série de prisões de líderes da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), que se opunham publicamente ao processo de Oslo. Entre eles, Ahmad Sa’adat foi novamente detido. Não havendo provas de envolvimento em qualquer conspiração, Sa’adat e outros membros do partido foram libertados pouco tempo depois.


Buscando acalmar a opinião pública e reafirmar seu compromisso com a paz, Yitzhak Rabin convocou um comício em Tel Aviv para discursar sobre os avanços das negociações com os palestinos. Diante da multidão, declarou ao microfone: “Encontramos um parceiro para a paz, e ele está entre os palestinos: a OLP, que foi nossa inimiga no passado. Sem parceiros para a paz, não há paz.”


A Praça dos Reis de Israel — que nunca estivera tão cheia desde os protestos contra o massacre de Sabra e Shatila — transbordava de pessoas e bandeiras. Após o discurso, Rabin desceu as escadas do palanque acompanhado por seguranças em direção ao Cadillac oficial que o aguardava. Antes de alcançá-lo, um jovem que o esperava no estacionamento, misturando-se entre os agentes e uma estudante de jornalismo, sacou uma pistola Beretta 9 mm e disparou três tiros de munição expansiva.


Dois atingiram os pulmões do primeiro-ministro; o terceiro, um de seus seguranças. Mais tarde, durante o interrogatório, o atirador declarou friamente:


“Mirei no meio das costas. Com aquele raio de visão, não era preciso ser um gênio do tiro.”

Rabin foi colocado às pressas no carro e levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos. Foi declarado morto às 23h02.


O prognóstico dos serviços secretos israelenses estava certo quanto à possibilidade de um atentado — mas completamente errado quanto ao seu autor. O assassino não era palestino, e sim israelense. Yigal Amir, 25 anos, judeu ortodoxo e militante da extrema-direita sionista, acreditava agir em nome de uma missão religiosa. Em seu julgamento, justificou:


“Peres e Rabin são serpentes. Se cortarmos a cabeça, a serpente perde o rumo; se arrancarmos os olhos, ela fica cega. Os dois devem morrer, pois um fortalece o outro. O Estado será salvo se alguém se levantar e eliminar esses homens. Não haverá eleições - Netanyahu subirá ao poder. [...] Eu vinha planejando isso há muito tempo. [...] Agora estou satisfeito.”

Yitzhak Rabin foi morto por duas balas disparadas por um israelense que se opunha às negociações de paz com os palestinos. Seu assassinato chocou o mundo. Durante o velório, líderes internacionais compareceram para prestar homenagem ao homem que ousou estender a mão ao inimigo.


Yasser Arafat e Rabin jamais foram amigos, mas, ao longo das negociações, aprenderam a se respeitar — cada um em nome de seu povo. Após Oslo I, ambos reconheceram a legitimidade dos esforços do outro e desenvolveram uma admiração mútua.


Por razões de segurança e para evitar tumultos, Arafat não compareceu ao funeral, acompanhando a cerimônia pela televisão em Gaza. Enviou uma delegação particular para prestar condolências e, dias depois, fez uma visita secreta à casa da viúva, Leah Rabin, em Tel Aviv — sua primeira viagem a Israel. Sentou-se na sala, com a cabeça descoberta, tomou chá com Leah e seus filhos, e disse em voz baixa:


“Perdemos um grande homem.”


Leah Rabin recordou mais tarde o encontro com emoção:


“Meu marido e ele têm o mesmo temperamento de líder. Nenhum dos dois trapaceia. Descobri em Yasser Arafat um homem sério, responsável, dotado de enorme humanidade. Senti-me profundamente tocada pelo calor com que me tratou. A tristeza de Arafat após a morte de Yitzhak foi sincera — bem mais do que a de algumas figuras da oposição israelense.” — Leah Rabin, 1995


Durante o funeral, Leah recusou-se a apertar a mão de Benjamin Netanyahu, um dos principais articuladores da campanha que incitou o ódio contra Yitzhak Rabin e os Acordos de Oslo.




TRÂNSITO EM JULGADO

A Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) questionava a legalidade dos Acordos de Oslo. Tanto que, nas primeiras eleições palestinas, realizadas em janeiro de 1996, o partido decidiu não participar. No entanto, acabou aceitando o resultado que consagrou Yasser Arafat (Fatah) presidente, com 89,82% dos votos. As declarações da FPLP acenderam o alerta entre os sionistas.


Shimon Peres, que assumiu o governo após o assassinato de Yitzhak Rabin, temia novos atentados contra civis israelenses — inclusive contra si próprio. Para acalmar a opinião pública, o novo premiê ordenou ao Shin Bet que designasse guarda-costas para todos os ministros e pediu à Autoridade Palestina (AP) que investigasse os grupos contrários aos acordos. Arafat atendeu à solicitação e, mais uma vez, mandou prender os líderes da FPLP para interrogatório.


Talvez Shimon Peres quisesse demonstrar à população israelense uma postura mais rígida em relação aos Acordos de Oslo I e II. O fato é que, pouco tempo depois, sua previsão de um novo atentado se concretizou.


Em dezembro de 1996, palestinos armados abriram fogo contra uma família israelense de Beit El que viajava próximo a uma vila árabe. O ataque matou uma mulher e um menino de 12 anos, deixando outras cinco pessoas feridas. O então Ministro da Defesa, Yitzhak Mordechai, acusou a FPLP de ser responsável pelo atentado. Em uma operação conjunta, tropas israelenses e palestinas localizaram em um depósito de lixo em Ramallah um carro em chamas que correspondia à descrição dos suspeitos. Durante as investigações, Ahmad Sa’adat e outros dirigentes da FPLP foram novamente detidos pela Autoridade Palestina.


Sa’adat negou qualquer envolvimento no ataque e iniciou uma greve de fome em protesto. Sem provas que o incriminassem, foi libertado, mas saiu da prisão diretamente para o hospital, em estado de coma, após dias de jejum que debilitaram seu corpo.


Insatisfeito com a postura da Autoridade Palestina, o Estado de Israel violou os Acordos de Paz e enviou um helicóptero militar à área “A” da Cisjordânia. Do alto, os soldados dispararam foguetes contra o escritório da FPLP, matando o Secretário-Geral Abu Mustafa Zibri. Dois meses após o atentado, o partido elegeu Ahmad Sa’adat como novo Secretário-Geral.


Em sua primeira coletiva, Sa’adat afirmou que os objetivos da FPLP eram os mesmos do povo palestino: “nosso direito de retorno e nossa independência, com Jerusalém como capital”. Comentou ainda o assassinato de seu antecessor, denunciando o desprezo de Israel pelos acordos de paz. E concluiu, de forma contundente: “vingaremos o assassinato de Mustafa Zibri — olho por olho e uma cabeça por três”.


Nas primeiras horas do dia 17 de outubro de 2001, o ex-ministro israelense Rehavam Ze’evi e sua esposa subiam para o quarto no Hotel Hyatt, em Jerusalém. Ze’evi era um político notório, com longa carreira militar — inclusive como chefe do Departamento do Estado-Maior nas operações que expulsaram camponeses da vila de Dayr Tarif. Na política, destacou-se por defender medidas extremistas da direita sionista, como a expulsão dos palestinos da Cisjordânia e de Gaza para países vizinhos.


Dois dias antes, havia renunciado ao cargo de ministro. Ao retornar ao hotel naquela manhã, foi seguido por quatro palestinos armados que dispararam contra ele e fugiram. Levado ao hospital, Ze’evi morreu antes das 10h. Recusara, ironicamente, a proteção de guarda-costas do Shin Bet.


O atentado foi reivindicado pelas Brigadas Mártires Abu Ali Mustafa, braço armado da FPLP. Contudo, Ariel Sharon aproveitou o episódio para culpar Yasser Arafat, rompendo todos os contatos com a Autoridade Palestina e impondo um bloqueio ainda mais severo sobre cidades e vilas palestinas — sobretudo em Ramallah. Sharon também proibiu Arafat de sair do país, impedindo-o de usar o aeroporto de Gaza.


A Autoridade Palestina condenou o ataque contra o ex-ministro israelense. Como medida preventiva, Ahmad Sa’adat foi preso, e as Brigadas Mártires Abu Ali Mustafa foram declaradas ilegais. Em Ramallah, Gaza e Belém, manifestantes tomaram as ruas contra a prisão do Secretário-Geral da FPLP. Em resposta, o partido suspendeu sua participação no Comitê Executivo da OLP, afirmando que só retornaria quando Sa’adat fosse libertado.


Dias depois, o serviço de inteligência da AP capturou militantes considerados responsáveis pelo assassinato de Ze’evi. Todos foram levados à Muqata’a — sede do governo palestino e fortaleza de Arafat. Julgados por um tribunal militar, receberam penas de até 18 anos de prisão. Quanto a Sa’adat, a AP decidiu que, por se tratar de um líder político e não militar, e não havendo provas que o ligassem ao crime, seu caso deveria ser avaliado pela justiça civil palestina.


Insatisfeito, o exército israelense encontrou o pretexto que buscava para invadir novamente a área “A”, violando os Acordos de Oslo e a jurisdição palestina. Tropas israelenses sitiaram a Muqata’a por um mês, bombardeando a sede do governo.


No dia 1º de maio de 2002, a AP transferiu os prisioneiros da FPLP — inclusive Sa’adat — para um presídio em Jericó. Entretanto, permitiu que fossem vigiados por agentes norte-americanos e britânicos, mesmo estando em território palestino.


O Supremo Tribunal de Justiça da Palestina posteriormente determinou que não havia provas que ligassem Sa’adat ao assassinato, declarando sua prisão inconstitucional. Organizações de direitos humanos exigiram que a AP acatasse a decisão judicial e libertasse o prisioneiro. Também apelaram a Israel que se abstivesse de tomar medidas extrajudiciais. O governo israelense, no entanto, respondeu com cinismo: “Se ele não for levado à justiça, faremos justiça a ele”, declarou o porta-voz Ra’anan Gissin.


Sem poder atingir diretamente o alvo sob tanta vigilância internacional, as forças israelenses retaliaram contra sua família. Em janeiro de 2003, a esposa de Sa’adat, Abla, foi presa quando se preparava para participar do Fórum Social Mundial.


“Quando me prenderam, disseram que haviam matado o irmão de Sa’adat.” - Abla Sa’adat, em entrevista com autor.

Durante a operação, os soldados invadiram a casa da família e assassinaram o irmão mais novo de Ahmad, Muhammed Sa’adat, de apenas 22 anos. Baleado nas costas e na cabeça, foi morto no quintal de sua própria casa.


“Nossos filhos seriam assassinados. Temos quatro filhos — o mais velho estava na faculdade, e o mais novo, em casa, tinha apenas oito anos.” Abla Sa’adat

Abla foi levada à prisão de Ramle, onde sofreu intensos interrogatórios e ameaças contra os filhos. Embora soubesse que as crianças estavam sozinhas e em perigo, manteve silêncio. Condenada inicialmente a quatro meses de detenção, foi libertada dois meses depois, sem acusações formais.


Em janeiro de 2006, novas eleições foram realizadas na Palestina. Mesmo preso, Ahmad Sa’adat foi eleito para o Conselho Nacional Palestino. Manter encarcerado, sem provas, um representante democraticamente eleito tornava-se insustentável política e moralmente. As campanhas pela sua libertação cresceram em escala internacional.


Em março de 2006, agentes norte-americanos e britânicos abandonaram o presídio de Jericó — poucos minutos depois, as forças israelenses cercaram o local. Sem proteção dos agentes estrangeiros ou palestinos, os prisioneiros, temendo pela vida, iniciaram uma rebelião liderada por Sa’adat.


Enquanto helicópteros bombardeavam o presídio e tanques cercavam o perímetro, Sa’adat negociava tempo, permitindo a saída de guardas e de alguns presos, ao mesmo tempo em que concedia entrevistas por telefone a emissoras internacionais. Ao cair da noite, ordenou que todos depusessem as armas e se entregou.


O presídio foi posteriormente devolvido à administração palestina, mas não antes de Israel levar Sa’adat e os demais membros da FPLP sob custódia.


Segundo o artigo XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos, todo acusado é inocente até que se prove o contrário. No entanto, desde que assumiu a liderança da FPLP, Ahmad Sa’adat foi obrigado a provar incessantemente sua inocência diante de um sistema que o perseguiu, prendeu e feriu repetidas vezes.


No dia 25 de dezembro de 2018, Sa’adat compareceu novamente diante dos juízes que representavam esse mesmo sistema — o mesmo que expulsara seus pais da terra natal, assassinara seu irmão e o condenara sem provas. Dessa vez, já não era um jovem militante, mas um líder amadurecido pela prisão e pela luta. Ao receber permissão para falar, ergueu a cabeça e, com o ar firme nos pulmões, quebrou o silêncio.


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“Para começar, não estou aqui para me defender em sua corte. Já confirmei que não reconheço a legitimidade deste tribunal por ser uma extensão da ocupação ilegal ao abrigo do direito internacional, bem como a legitimidade do direito do nosso povo de resistir à ocupação, e que este tribunal se baseia nas leis de emergência de 1945, sobre as quais um dos líderes do Partido Trabalhista Sionista disse, após sua aprovação: ‘É uma das piores leis nazistas’. Ele acrescentou: ‘É verdade que os crimes nazistas cometidos não atingiram o grau de crime desta legislação’.


Então, eu defendo meu povo e seu direito legítimo à independência nacional, autodeterminação e retorno. Esses direitos são garantidos pelo direito internacional, pelo direito humanitário, pelas resoluções das Nações Unidas e pelas mais recentes recomendações do Tribunal de Haia sobre o muro.


Defendo o direito do nosso povo à paz e à estabilidade, não só nesta região, mas também em todo o mundo. A segurança e a estabilidade nunca poderão ser alcançadas na Palestina, na região ou no mundo enquanto houver uma política baseada na lógica da ocupação e na imposição de condições às pessoas — seja pela força, por invasão militar ou ocupação, como ocorre na Palestina.


Estou hoje novamente perante este tribunal, como mecanismo de repressão ao nosso povo e ferramenta de opressão, que não consegue acabar com a resistência e é um exemplo da incapacidade da ocupação e de suas políticas impostas aos povos. Se você examinar os arquivos dos prisioneiros da ocupação sionista na Palestina, descobrirá que muitos deles foram detidos uma segunda ou terceira vez, porque esse mecanismo não conseguiu deter nosso povo ou nossos ativistas que lutam por nossos direitos. Isso, como muitos outros exemplos do fracasso da ocupação e de suas ferramentas para suprimir nosso povo e abolir nossa resistência, demonstra que esses tribunais permanecerão enquanto a ocupação existir — e também permanecerá a resistência do nosso povo.


A atual política de ocupação e a lógica de imposição pela força não trarão segurança a Israel nem a outros territórios ocupados. O principal caminho para alcançar segurança, estabilidade e paz na região é acabar com a ocupação, implementar as resoluções de legitimidade internacional para a causa palestina e proporcionar um clima em que uma solução democrática, pacífica e humana para a crise palestina e o conflito árabe-sionista seja estabelecida desde suas raízes. Essa é a única maneira de acabar com a violência e o derramamento de sangue.


Por fim, já salientei nas minhas declarações anteriores, desde a chamada acusação até o julgamento que foi formulado, e reitero agora a mesma posição: esta é uma forma unilateral e uma farsa de se conseguir uma resolução nos termos de uma mera imagem de ‘tribunal’. As condenações eram conhecidas de antemão, pré-determinadas pelos termos do mecanismo político e de segurança, tornado ‘legítimo’ pelo tribunal.


A essência da minha posição é que estou orgulhoso do povo palestino, de sua resistência política e nacional e de sua luta justa para alcançar seus direitos. Também estou orgulhoso da confiança que me foi dada pelo Comitê Central da Frente Popular para a Libertação da Palestina, elegendo-me como Secretário-Geral. Lamento não ter ainda conseguido desempenhar plenamente minhas funções, primeiro, devido à detenção pela Autoridade Palestiniana e à perda de minhas liberdades de trabalho durante mais de quatro anos; segundo, por causa desse sequestro, no qual mais de uma parte — os EUA, a Grã-Bretanha e a Autoridade Palestina — foram cúmplices. Apesar de tudo que possa atrapalhar ou forçar, não se pode parar a luta, junto com meu povo, em qualquer espaço de movimento.


Viva a luta do povo palestino!

Ahmad Sa’adat.



O tribunal militar israelense condenou Sa’adat a 30 anos de prisão por liderar uma “organização terrorista ilegal” e por sua responsabilidade por todas as ações realizadas por sua organização, particularmente pelo assassinato de Rehavam Ze’evi. Após seu discurso, Ahmad Sa’adat passou anos em celas solitárias israelenses. Atualmente, ele já cumpriu 14 anos (2022) de sua sentença e continua preso em Israel. As únicas possibilidades de Sa’adat deixar a prisão são em uma troca de prisioneiros ou com maior apoio das organizações em defesa dos Direitos Humanos, que continuam lutando por sua liberdade.


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Texto por Lucas Siqueira, janeiro de 2022

Entrevista com Abla Saadat

Tradução Jehad Afaghani



 
 
 

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