Israel, democracia de apartheid: resposta a Didi-Huberman e ao autoengano ocidental
- Mohammed Hadjab

- 11 de jun.
- 4 min de leitura
Georges Didi-Huberman denuncia com razão o horror cometido em Gaza. Mas ao invocar o caráter democrático de um Estado fundado na limpeza étnica, ele reforça uma narrativa mentirosa que embranquece um projeto colonial. É hora de romper com essa ilusão.
Em seu texto “Gaza ou o intolerável”, Georges Didi-Huberman oferece uma reflexão comovente sobre o horror em curso na Faixa de Gaza. Ele se insurge contra a indiferença ocidental, contra o silêncio cúmplice de certas consciências judaicas, contra a barbárie desencadeada pelo exército israelense. Seu grito é justo, sua indignação é sincera. Mas o ensaísta, por fidelidade a um certo ideal humanista de Israel, cai em uma armadilha intelectual: a de separar artificialmente os fundamentos do Estado israelense de seus desdobramentos atuais.

Um Estado democrático? Não, um projeto colonial!
Didi-Huberman afirma que a criação de Israel não deve ser confundida com as lógicas fascistizantes do regime de Netanyahu. Ao citar Ben-Gurion como figura de referência moral diante de Begin, ele esquece convenientemente que Ben-Gurion foi o arquiteto do Plano Dalet , elaborado em 1947–1948 – que o autor cita como exemplo de opositor ao fascismo – esse plano organizava a expulsão sistemática dos palestinos e a destruição metódica de suas aldeias. O historiador israelense Ilan Pappé, em “A limpeza étnica da Palestina”, mostra que esse plano não foi um simples desvio militar: foi uma estratégia estruturada, pensada e assumida, que esvaziou centenas de vilarejos palestinos, lançando seus habitantes ao exílio.
Netanyahu, portanto, não é uma ruptura: é o fruto lógico de um projeto colonial. Filho de BenZion Netanyahu, intelectual sionista radical e membro do grupo fascista “Brit HaBirionim”, próximo à ideologia mussoliniana, Benjamin Netanyahu encarna a continuidade de um pensamento etnonacionalista. Essa corrente alimentou o “Lehi” (Grupo Stern), o “Irgum” de Begin e formou as primeiras unidades armadas de Tsahal. O sionismo colonial não se perdeu no caminho: ele chegou ao seu destino.
A etnocracia israelense e seus disfarces
Falar em “valores democráticos” de um Estado que reserva seus direitos civis plenos a um grupo etnorreligioso é uma distorção semântica. Israel não é uma democracia plena: é uma “etnocracia”. Os cidadãos árabes israelenses – palestinos de 1948, drusos, beduínos, circassianos – vivem sob um regime de discriminação estrutural. Acesso desigual a recursos, desapropriações, abandono urbano nas zonas árabes, criminalização de protestos, vigilância constante: sua cidadania é uma formalidade vazia.
Da mesma maneira que há deputados árabes no Knesset (parlamento israelense), vale lembrar que também havia parlamentares negros no regime de apartheid da África do Sul. O racismo institucional não se mede pela presença de uma cota simbólica de minorias, mas pelas estruturas de poder, pelas leis fundamentais, pela efetividade dos direitos. Em 2018, a “Lei do Estado-nação do povo judeu” inscreveu na Lei Básica que somente o povo judeu tem direito à autodeterminação sobre esse território. Essa lei não codifica a democracia: ela consagra o apartheid.
Memória pervertida, legitimação do horror
Didi-Huberman, em uma passagem poderosa, denuncia como certos generais israelenses utilizam a memória do Holocausto como justificativa para a guerra, tirando lições militares da resistência judaica contra os nazistas. Ele descreve a inversão memorial em curso. Mas se recusa a tirar a conclusão mais evidente: isso não é um desvio recente, é uma **instrumentalização estrutural**. A memória judaica não foi traída por Israel: foi capturada, militarizada, usada para legitimar um projeto de exclusão étnica.
Uma dissidência admirável, mas ultraminoritária
É claro que devemos reconhecer as vozes dissidentes dentro de Israel. Movimentos como Breaking the Silence, Zochrot, B’Tselem ou Combatants for Peace se posicionam contra a guerra, denunciam os crimes do exército, documentam a ocupação. Milhares de manifestantes tomam regularmente as ruas de Tel Aviv, muitas vezes enfrentando repressão, exílio ou prisão. Essas vozes são preciosas, corajosas e devem ser apoiadas.
Mas são minoritárias. Muito minoritárias. Segundo uma pesquisa do Israel Democracy Institute publicada em fevereiro de 2024, 68% dos cidadãos judeus israelenses apoiam a continuação da ofensiva em Gaza, apesar das dezenas de milhares de mortos civis. Nas eleições legislativas de 2022, mais de 60% votaram em partidos de direita ou extrema-direita**, alguns dos quais defendem abertamente a transferência forçada de palestinos, a colonização total da Cisjordânia ou o desmantelamento da UNRWA. Não se trata mais de extremistas isolados no poder: trata-se de um consenso colonial enraizado na sociedade.
Não ceder à ilusão liberal
O texto de Didi-Huberman merece ser saudado por sua recusa à indiferença. Mas falha em compreender plenamente a natureza do que descreve. Não se trata apenas de Netanyahu, nem de uma “traição” aos valores fundadores de Israel. É precisamente a ideologia fundadora do Estado israelense – construída sobre a exclusão e a limpeza étnica – que hoje se prolonga em Gaza.
Ao separar Israel de seus atuais dirigentes, ao opor as supostas virtudes de um Estado democrático à brutalidade de seus governantes, Didi-Huberman perpetua uma ilusão liberal. Essa ilusão é confortável. Permite condenar as bombas sem questionar o muro, lamentar as crianças mortas sem confrontar a ideologia que as mata, chorar pelos valores perdidos sem reconhecer que eles nunca existiram – ao menos, não para os palestinos.
Diante de Gaza, não basta falar de “intolerável”. É preciso nomear o que está acontecendo: um projeto colonial, uma limpeza étnica em curso, uma guerra de extermínio encoberta pelo Ocidente. E um regime que, sob o disfarce da democracia, se organizou há muito tempo como uma etnocracia de apartheid.


























































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