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O Agro é Tech, o Agro é Pop, o Agro é Morte: A arquitetura da devastação brasileira

Durante a 52ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o relator especial sobre substâncias tóxicas e direitos humanos, Marcos Orellana, alertou para a “catástrofe silenciosa” provocada pelo uso descontrolado de agrotóxicos no Brasil. Segundo dados da própria FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), o Brasil se consolidou como o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, com mais de 600 mil toneladas aplicadas por ano. Curiosamente, este dado raramente aparece nos coloridos comerciais televisivos que celebram o agronegócio como “motor da economia nacional” e “guardião da segurança alimentar global”. Essa dissonância entre a propaganda institucional e a realidade empírica não é um equívoco, mas uma técnica sofisticada de gestão ideológica a serviço de interesses específicos.


A retórica sustenta que o agronegócio representa a espinha dorsal do desenvolvimento brasileiro, responsável por cerca de 24% do PIB, segundo o IBGE. Contudo, esse suposto protagonismo econômico é sustentado por uma lógica de espoliação sistêmica de devastação ambiental, envenenamento de populações indígenas e rurais, concentração fundiária e violação sistemática de direitos humanos. Em outras palavras, o agronegócio não é apenas um setor produtivo, mas uma infraestrutura de dominação cujo funcionamento depende da normalização da violência — física, química e simbólica.


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A conversão massiva da Amazônia e do Cerrado em zonas de cultivo de soja e criação de gado, frequentemente realizada mediante grilagem, desmatamento ilegal e milícias rurais, é um exemplo. Relatórios do Instituto Socioambiental (ISA) mostram que, entre 2019 e 2022, mais de 45% do desmatamento na Amazônia ocorreu em propriedades inscritas no Cadastro Ambiental Rural — um instrumento supostamente criado para “regulamentar a atividade rural de forma sustentável”. O que deveria ser um mecanismo de controle ambiental converteu-se, de fato, em uma ferramenta de legalização do roubo de terras públicas.


Não surpreende, portanto, que as empresas multinacionais do setor — como Bayer, Syngenta e Cargill — operem com ampla margem de manobra no país, beneficiadas por incentivos fiscais, infraestrutura subsidiada e uma legislação ambiental cada vez mais fragilizada. A Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos públicos por 20 anos, não afetou os vultosos créditos concedidos via Plano Safra, que somaram R$ 364 bilhões em 2022, segundo o Ministério da Agricultura. O investimento em monoculturas para exportação cresce, enquanto comunidades inteiras no Semiárido nordestino enfrentam insegurança alimentar — um cenário que, se fosse observado na Venezuela, seria prontamente denunciado como “crise humanitária” por chancelerias ocidentais.


Recursos públicos são privatizados, impactos socioambientais são socializados, e a responsabilidade é sistematicamente deslocada para “práticas individuais” ou “problemas locais”. A retórica da sustentabilidade serve, assim, como um biombo que oculta o caráter profundamente insustentável de um modelo que concentra riqueza, dissemina venenos e destrói biomas em velocidade exponencial. A ironia não está apenas na dissociação entre discurso e prática, mas no modo como o Brasil, ao devastar suas próprias florestas e comunidades, é elogiado em fóruns econômicos internacionais como “um exemplo de potência agrícola emergente”.


Este modelo não é uma peculiaridade brasileira, mas parte de uma engrenagem global que articula financeirização da terra, dependência tecnológica e captura regulatória. A imposição de cultivares transgênicos, o monopólio de sementes patenteadas e o controle logístico dos portos por empresas estrangeiras revelam a extensão do enraizamento colonial que estrutura o agronegócio contemporâneo. A título de comparação, o caso das Filipinas durante o Green Revolution Program, nos anos 1960, mostra como a modernização agrícola imposta por interesses externos, sob o pretexto de “combater a fome”, resultou em endividamento crônico de pequenos produtores, erosão do solo e destruição da diversidade agrícola local — um roteiro que se repete, com variações, na paisagem rural brasileira.


Ao invés de um “caso de sucesso”, o agronegócio brasileiro deveria ser estudado como um laboratório de regressão socioambiental em larga escala, com implicações globais. Suas engrenagens operam em perfeita sintonia com os interesses de um capitalismo extrativista que, sob a bandeira da modernização, renova antigas formas de espoliação. A narrativa oficial, repetida ad nauseam, de que “o agro é o Brasil que dá certo”, oculta o fato de que seu sucesso é construído sobre uma pilha crescente de cadáveres — humanos, ecológicos e culturais.


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