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Não é a primeira vez que um genocida indica outro para o Nobel da 'Paz'

  • Foto do escritor: Siqka
    Siqka
  • 8 de jul.
  • 4 min de leitura

Em 7 de julho de 2025, o primeiro-ministro genocida israelense Benjamin Netanyahu entregou pessoalmente, em Washington, uma carta ao presidente genocida Donald Trump, formalizando sua indicação ao Prêmio Nobel da Paz. “É uma indicação sua para o Prêmio da Paz, que é bem merecida, e você deve recebê-la”, declarou Netanyahu, segundo registros da própria Casa Branca. O gesto, tomado isoladamente, poderia ser interpretado como um episódio inusitado na política internacional. No entanto, quando inserido no contexto histórico e estrutural das relações de dominação geopolítica contemporâneas, o episódio revela muito mais sobre o funcionamento do sistema internacional do que seus protagonistas talvez tenham a intenção de admitir.


Netanyahu, à frente de um governo responsável por uma campanha militar que resultou na morte de quase 60 mil palestinos (atualmente) em Gaza desde outubro de 2023 — entre os quais, segundo a ONU, mais de 70% eram mulheres e crianças —, além do deslocamento forçado de aproximadamente 2 milhões de civis, encontra-se no centro de múltiplas denúncias por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A Corte Penal Internacional (CPI) já emitiu pedidos de prisão contra membros de seu gabinete por violações do direito internacional humanitário. Trata-se, portanto, de um chefe de governo acusado por organismos multilaterais de praticar atos que, em qualquer estrutura jurídica minimamente funcional, seriam definidos como genocidas.


Donald Trump, por sua vez, não é exatamente uma figura associada ao pacifismo. Durante sua presidência (2017-2021), ordenou o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani em território estrangeiro — uma violação clara da soberania iraquiana —, impôs sanções severas ao Irã, Cuba e à Venezuela, que resultaram em crises humanitárias documentadas por organizações como a Human Rights Watch, e sem contar a implementação do acordo de Abraão contra a Palestina, tal acordo nada mais foi do que uma formalização de interesses estratégicos entre regimes autoritários e Israel, às custas do povo palestino, cuja autodeterminação segue sendo sistematicamente negada.


A ironia implícita neste episódio é evidente, embora não surpreendente. Historicamente, o Prêmio Nobel da Paz já foi entregue a figuras cujas trajetórias contradizem os princípios da paz e da justiça. Henry Kissinger, por exemplo, recebeu o mesmo prêmio em 1973, enquanto suas ações na Guerra do Vietnã e no golpe de Estado no Chile, documentadas no Pentagon Papers e em relatórios do National Security Archive, contribuíam para a perpetuação da violência sistêmica em escala global. Em 1978, o prêmio foi entregue ao egípcio Anwar Sadat e ao bielorruso Menachem Begin — este último conhecido não apenas como ex-primeiro-ministro de Israel, mas também como líder do grupo sionista terrorista Irgun, responsável pelo massacre de Deir Yassin em 1948, um episódio que até hoje simboliza a Nakba palestina. Begin, o “carniceiro de Israel”, foi recompensado com o prestígio internacional por selar a paz com o Egito, enquanto a ocupação da Palestina se aprofundava. Sadat, por sua vez, ao normalizar relações com Tel Aviv, abandonou de fato a causa palestina em troca de recuperar o Sinai, quebrando o consenso panarabista de Nasser. A liberdade dos palestinos foi, nesse contexto, convertida em moeda de troca para interesses de Estado — uma operação diplomática que foi celebrada, paradoxalmente, como gesto de paz. Mais adiante nessa história, Barack Obama, laureado em 2009, ampliou drasticamente o uso de ataques com drones no Paquistão, Iêmen e Somália, operações que, segundo um relatório da Bureau of Investigative Journalism, causaram centenas de mortes civis.


O padrão que se revela é claro: o Prêmio Nobel da Paz tem sido frequentemente mobilizado como instrumento simbólico de legitimidade para líderes do sistema hegemônico, ainda que suas ações contrariem frontalmente os princípios que supostamente se pretende homenagear. O gesto de Netanyahu é, nesse sentido, menos um desvio moral e mais uma manifestação coerente de um sistema internacional em que a violência é sancionada desde que esteja subordinada aos interesses das grandes potências ou de seus aliados estratégicos.


A estrutura retórica que justifica tais indicações baseia-se na lógica do “realismo político”: promover a paz não significa cessar a violência, mas sim reordená-la de maneira funcional aos interesses das potências dominantes. Trata-se, como apontou Edward Said, de uma paz imperial, sustentada por muros, bloqueios e ocupações, e que só é considerada válida quando administrada por aqueles que detêm o monopólio da violência legítima.


O caso da Palestina é paradigmático. Enquanto os Estados Unidos vetam sistematicamente resoluções do Conselho de Segurança da ONU que exigem cessar-fogos em Gaza, Israel prossegue com uma campanha de destruição sistemática das infraestruturas civis, incluindo hospitais, escolas e redes de abastecimento de água, como documentado por centenas de agências em todo mundo. Ainda assim, os líderes de tais campanhas são convidados a fóruns internacionais como “parceiros pela paz” — uma retórica que, no mínimo, desafia qualquer coerência lógica.


Quando um genocida indica outro para o Prêmio Nobel da Paz, o que está em jogo não é apenas uma contradição moral ou uma escolha diplomática controversa. Trata-se da exposição de um sistema que premia a obediência à ordem estabelecida — mesmo que esta ordem seja mantida pela força, pela fome e pelo silenciamento dos oprimidos. O gesto de Netanyahu não é, portanto, uma anomalia, mas um reflexo cristalino da lógica imperial que estrutura as relações internacionais contemporâneas.


Resta ao observador não se prender à teatralidade do momento, mas perguntar: o que revela, sobre o sistema internacional, o fato de que os responsáveis por massacres em massa se reconhecem mutuamente como mensageiros da paz? A resposta talvez resida menos nas palavras de seus discursos e mais nos escombros das cidades que ajudaram a destruir.


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