Somalilândia e o novo projeto de expulsão de palestinos para a África
- www.jornalclandestino.org

- 14 de ago.
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Atualizado: 16 de ago.
Nos últimos meses, a Somalilândia — território que se autodeclarou independente da Somália em 1991 — voltou ao centro das atenções internacionais. O motivo não é apenas sua busca por reconhecimento diplomático, mas também as notícias sobre negociações secretas envolvendo Estados Unidos e Israel para transferir palestinos deslocados de Gaza para o território.

Um Estado sem reconhecimento, mas com estabilidade relativa
A Somalilândia mantém, desde a sua separação unilateral, um governo estável, instituições democráticas e moeda própria. Em 2024, o país realizou uma transição pacífica de poder, elegendo Abdirahman Mohamed Abdullahi (“Irro”), reforçando sua imagem de “ilha de estabilidade” na região. Apesar disso, a comunidade internacional continua a tratá-la como parte da Somália, o que limita seu acesso a financiamentos externos e acordos multilaterais. Com um PIB estimado em apenas US$ 7 bilhões (2022) e alto desemprego, a economia depende fortemente de remessas da diáspora.
A estabilidade interna é relativa: confrontos recentes nas regiões de Sanaag e Sool — como as batalhas de Erigavo (dezembro de 2024) e Jiidali (janeiro de 2025) — revelam tensões com milícias locais e riscos de novas ondas de deslocados internos.

O polêmico plano de realocação de palestinos
Segundo reportagens do Financial Times e da Associated Press, um estudo encomendado pela Boston Consulting Group a empresários israelenses modelou a transferência voluntária de até 25% da população de Gaza para países como Egito, Jordânia, Emirados Árabes, Somália e Somalilândia. A justificativa apresentada aos governos africanos incluía a promessa de investimentos e supostos benefícios econômicos que poderiam chegar a US$ 4,7 bilhões em quatro anos.
De acordo com fontes diplomáticas ouvidas pela AP, autoridades dos EUA e Israel chegaram a sondar formalmente os governos de Sudão, Somália e Somalilândia. Mas, publicamente, todos negaram qualquer negociação. O ministro das Relações Exteriores da Somalilândia afirmou: “Não houve contato nem proposta oficial. Essa ideia é inaceitável”.
Entre o reconhecimento e a barganha geopolítica
O momento político adiciona uma camada estratégica à questão. A Somalilândia busca há décadas o reconhecimento dos EUA, e, segundo o presidente Abdullahi, tal reconhecimento estaria “no horizonte” após conversas com Donald Trump. Especialistas afirmam que Washington poderia condicionar esse gesto a contrapartidas estratégicas, como permitir uma base militar estadunidense no porto de Berbera — ou aceitar esquemas de reassentamento de refugiados palestinos.
Se confirmado, o cenário revelaria uma diplomacia de barganha que instrumentaliza populações deslocadas para ganhos geopolíticos.
Questões éticas e legais
Mesmo que o plano fosse “voluntário” no papel, ele se chocaria com princípios fundamentais do direito internacional. A transferência forçada ou indiretamente coagida de uma população pode ser caracterizada como limpeza étnica, violando a Quarta Convenção de Genebra. Além disso, a proposta ignora o direito inalienável dos palestinos ao retorno às suas terras, reconhecido por resoluções da ONU desde 1948.
Organizações de direitos humanos já alertam que, numa região com infraestrutura frágil e crises próprias, receber milhares de deslocados sem garantias reais de integração significaria apenas transferir o sofrimento de um lugar para outro.
O silêncio perigoso
Seja como realidade iminente ou apenas como balão de ensaio político, o caso expõe um padrão recorrente: países e povos vulneráveis são usados como moeda de troca nas mesas de negociação internacionais. Para a Somalilândia, o reconhecimento que busca pode vir acompanhado de exigências moralmente insustentáveis. Para os palestinos, é mais um capítulo de desterro forçado, mascarado por discursos de “oportunidade” e “desenvolvimento”.
Num mundo que se orgulha de suas declarações universais, o silêncio diante desse tipo de proposta é cumplicidade.
Referências
2024 Somaliland presidential election. Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/2024_Somaliland_presidential_election ↩
Somaliland. Council on Foreign Relations. Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/somaliland-horn-africas-breakaway-state ↩
Battle of Erigavo. Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Erigavo ↩
BCG consultants modelled relocating Gazans to Somalia. Financial Times. Disponível em: https://www.ft.com/content/2206da63-4f50-4b74-9f1d-3cbf6b43e0e4 ↩
Idem. ↩
US and Israel look to Africa for resettling Palestinians uprooted from Gaza. Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/world/middle-east/us-israel-look-africa-resettling-palestinians-uprooted-gaza-ap-reports-2025-03-14 ↩
Somalia, Somaliland deny talks on resettling Palestinians from Gaza. The New Arab. Disponível em: https://www.newarab.com/news/somalia-somaliland-deny-talks-resettling-palestinians-gaza ↩
Somaliland president says recognition ‘on the horizon’ after Trump talks. The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/global-development/2025/may/30/exclusive-somaliland-president-says-recognition-of-state-on-the-horizon-following-trump-talks ↩
US eyes Berbera base as part of strategic Horn of Africa plan. Turkey Today. Disponível em: https://www.turkiyetoday.com/region/us-israel-approach-african-nations-for-potential-resettlement-of-gazans-report-131878 ↩
Convenção de Genebra IV, 1949. Disponível em: https://ihl-databases.icrc.org/en/ihl-treaties/gciv-1949 ↩


















































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