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o mundo segue a Geração Z; resta saber se eles sabem para onde estão indo

Antes de começar este texto, quero deixar algo muito claro: não pretendo, de forma alguma, invalidar qualquer demanda popular. Quem já teve o privilégio de sair do próprio país e vivenciar outras culturas e sociedades sabe que não existe uma régua universal para medir os valores de uma cultura ou de outra. Assim, este texto é um argumento reflexivo sobre o momento atual e sobre o que pode vir a seguir.


Recentemente, testemunhamos o Nepal, mais especificamente Katmandu, sacudir os pilares de uma democracia ainda jovem. Geograficamente distante e culturalmente isolado, exceto para montanhistas, mochileiros e a herança dos hippies que percorriam o país décadas atrás, compreender o que realmente estava acontecendo por lá se tornou um desafio. As mídias ocidentais simplificaram os protestos, destacando a suposta revolta contra o bloqueio de redes sociais – ocorrido dois anos antes e vetado por lei – como causa central. No entanto, estudos e relatórios locais indicam que os protestos refletiram insatisfações diversas e desconexas com o governo, algo similar em todos os governos do mundo.



Parlamento do Nepal em chamas após renúncia do premiê Sharma Oli em meio a onda de protestos. 9 de setembro de 2025 ©LUSA
Parlamento do Nepal em chamas após renúncia do premiê Sharma Oli em meio a onda de protestos. 9 de setembro de 2025 ©LUSA
Manifestações em Madacascar, 2025. ©FRANCE 24
Manifestações em Madacascar, 2025. ©FRANCE 24

Os protestos no Nepal foram liderados pela chamada Geração Z, termo que designa jovens nascidos entre meados da década de 1990 e início dos anos 2010, uma geração conectada digitalmente e que cresceu em um contexto de globalização, acesso à internet e crise ambiental. Logo após o surgimento dos protestos nepalenses, uma onda similar se espalhou pelo mundo, atingindo Madagascar, Marrocos, Peru e Geórgia, entre outros países. Aqui não pretendo analisar se as demandas são certas ou erradas; o que chama atenção, principalmente para qualquer fotojornalista, como é o caso deste autor, é que grande parte do material sobre essas manifestações é produzido pelos próprios jovens, uma geração que nasceu com o celular nas mãos e compartilha sua vida digitalmente. Essa característica, somada à rapidez com que os protestos surgem e desaparecem, e sua semelhança estética com blogs pessoais, indicam que não se trata apenas de demandas populares, mas que também deve ser considerado o espetáculo midiático das enxurradas de likes.


Digo isso ao comparar com o que está acontecendo simultaneamente em países como El Salvador, Honduras e Equador, onde os protestos, embora contínuos, têm recebido pouca ou quase nenhuma atenção nos feeds. Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele tornou-se o rei da repressão nas Américas e o lacaio número 1 de Donald Trump, fato que evidencia uma repressão tão grande que até a Associação de Jornalistas de El Salvador anunciou que deixará o país devido ao crescente hostilidade do governo à imprensa. A nova "Lei de Agentes Estrangeiros" impõe restrições severas a organizações que recebem financiamento externo, interpretada como uma tentativa de silenciar a oposição e limitar a liberdade de expressão. Em Honduras, ocorre algo similar. Os protestos têm ocorrido contra políticas governamentais e em defesa de direitos humanos, especialmente em face das próximas eleições gerais previstas para novembro de 2025. A repressão a essas manifestações tem sido uma preocupação, com relatos de uso excessivo da força por parte das autoridades. No Equador, protestos liderados por comunidades indígenas têm ocorrido em resposta a políticas do governo "narcobananeiro" de Daniel Noboa. As manifestações começaram após o aumento do preço do diesel e se intensificaram com a repressão violenta das forças de segurança. Mas nenhum desses protestos aparece em nossas timelines.


Na Europa, a situação na Geórgia é peculiar: manifestantes fazem tremular tanto as bandeiras georgianas como as da União Europeia, mesmo que o país não seja membro. O atual governo vê nisso uma tentativa de “revolução colorida”, lembrando o contexto ucraniano pré-2014. O paralelo histórico nos lembra que mobilizações populares podem ser interpretadas ou instrumentalizadas por interesses externos, o que reforça a complexidade de movimentos globais.


Manifestações em Tiblisi, Geórgia I Arquivo 2025
Manifestações em Tiblisi, Geórgia I Arquivo 2025

Analisando outro cenário mundial, movimentos globais em defesa da Palestina têm sido constantes, com centenas de prisões semanais, e ainda assim persistem. Fica claro que muitas demandas, embora legítimas e urgentes, podem perder visibilidade rapidamente, como tem ocorrido com protestos recentes no Nepal, Madagascar e Lima.


Tentando aprender com nossa própria história, podemos analisar o cenário da Primavera Árabe, principalmente pelo uso das redes sociais como ferramenta de mobilização. Partindo pela contradição, enquanto a Primavera Árabe se concentrou na derrubada de líderes históricos, os protestos da Geração Z tendem a focar em demandas como educação, oportunidades de emprego, acesso a serviços básicos e reformas sociais. No entanto, os resultados históricos mostram que, embora alguns governantes tenham sido removidos, os ganhos sociais e econômicos para a população foram muitas vezes limitados ou precários. Na Tunísia, por exemplo, persistem desafios econômicos; na Líbia, Egito e Síria, o vácuo de poder gerou conflitos e interferência estrangeira.


Na Tunísia, embora tenha sido o epicentro da Primavera Árabe, os avanços econômicos têm sido limitados. O desemprego permanece elevado, especialmente entre os jovens com ensino superior. O país enfrenta desafios fiscais e uma dívida pública crescente, dificultando a implementação de políticas públicas eficazes. Na Líbia, a queda de Muammar Gaddafi em 2011 levou a uma luta pelo poder entre facções rivais, resultando em uma guerra civil prolongada e na intervenção militar internacional, liderada pela OTAN, perpetuando a instabilidade e dificultando a reconstrução nacional. No Egito, após a deposição de Hosni Mubarak, o país experimentou um breve período de governo democrático com Mohamed Morsi. No entanto, em 2013, um golpe militar liderado pelo general Abdel Fattah el-Sisi restaurou um regime autoritário. O governo atual tem reprimido a oposição política e restringido as liberdades civis, revertendo muitos dos ganhos democráticos conquistados durante a Primavera Árabe. Na Síria, os protestos contra o regime de Bashar al-Assad em 2011 evoluíram para uma guerra civil devastadora, o golpe contra Assad e atualmente um governo de limpeza étnica liderado por um "ex Al-Qaeda".


Esses exemplos nos dão um sinal de que, apesar das mobilizações iniciais da Primavera Árabe, os resultados foram variados e, em muitos casos, negativos, com a população enfrentando desafios contínuos relacionados à governança, economia e direitos humanos. Essas experiências oferecem lições valiosas para os protestos atuais da Geração Z, destacando a importância de estratégias eficazes para alcançar mudanças estruturais duradouras.


Manifestações na França, setembro de 2025. ©THE WASHINGTON POST
Manifestações na França, setembro de 2025. ©THE WASHINGTON POST

Como mencionei no início, o caso de não existir uma régua universal para validar manifestações, demandas, golpes ou legitimidade, tenho que frisar que, em alguns casos, movimentos espetaculares, para bem ou para mal, simplesmente acontecem espontaneamente. Muitos podem nem ser golpe, assim como podem nem ser revoluções, ou podem nem ser os espetáculos midiáticos que mencionei. O que pode ser universalizado para todos os movimentos — e aqui sim quero frisar o uso da palavra "todos" — é que, em todos esses movimentos, existem pessoas inseridas em golpes, assim como existem pessoas que reivindicam demandas legítimas. Mas, infelizmente, também existem muitos que querem apenas viralizar nas redes. De qualquer forma, estamos diante de uma nova primavera global. Em um mundo em que o comando “Siga” se confunde entre o digital e o físico, estamos, em ambos os aspectos, seguindo a Geração Z, mas resta saber se eles realmente sabem para onde estão indo.



Geração Z protesta nas Filipinas. ©EZRA ACAYAN
Geração Z protesta nas Filipinas. ©EZRA ACAYAN

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