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Se a Revolução Francesa estivesse acontecendo agora, seria reprimida na Europa e vetada na ONU!

Atualizado: 27 de jul.

Em 14 de julho de 1789, uma multidão enfurecida tomou a Bastilha, símbolo do absolutismo monárquico francês. A Revolução Francesa, marco histórico dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, rompeu violentamente com o Antigo Regime, inaugurando uma nova era de mobilização popular e soberania popular. Se esse episódio ocorresse hoje, em qualquer ponto do globo fora do eixo hegemônico, com certeza seria VETADO; sua repressão não apenas seria provável, mas contaria com o aval direto – ou, na melhor das hipóteses, a conivência silenciosa – das potências do Conselho de Segurança da ONU, sob o pretexto da "manutenção da ordem" ou da “estabilidade institucional”.


A POLÍCIA ARRASTA UM MANIFESTANTE PARA LONGE DA ENTRADA DA UNIVERSIDADE SCIENCES PO, EM PARIS, 2024.  ©POITOUT FLORIAN I ABACA I REX I SHUTTERSTOCK
A POLÍCIA ARRASTA UM MANIFESTANTE PARA LONGE DA ENTRADA DA UNIVERSIDADE SCIENCES PO, EM PARIS, 2024. ©POITOUT FLORIAN I ABACA I REX I SHUTTERSTOCK

A ironia reside no fato de que a própria Carta das Nações Unidas, em seu artigo 1º, declara entre seus propósitos "promover e encorajar o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos". No entanto, a história recente está repleta de episódios que ilustram a seletividade com que esses princípios são aplicados. Em 2011, durante a repressão das manifestações no Bahrein, exigindo reformas democráticas, o silêncio da ONU contrastou com a retórica inflamável utilizada para justificar intervenções em outros contextos, como a Líbia. A diferença fundamental: o Bahrein é aliado estratégico dos Estados Unidos e abriga a Quinta Frota da Marinha yankee. Já a Líbia, sob a liderança de Muammar Gaddafi, havia adotado uma postura ambígua frente às potências ocidentais, o que o tornou um alvo conveniente.


Se os sans-culottes invadissem hoje o Palácio de Versalhes em nome da soberania popular, os pronunciamentos oficiais provavelmente os classificariam como "grupos insurgentes", "radicalizados" ou, com sorte, "manifestantes violentos que atentam contra a ordem democrática". Seriam rapidamente enquadrados no léxico da segurança internacional, cuja função primária, como já demonstrado por documentos vazados por organizações como o WikiLeaks, não é proteger os direitos humanos universais, mas garantir a manutenção da ordem neoliberal e do sistema de Estados baseado na supremacia de alguns poucos atores.


O tratamento dado às manifestações populares varia significativamente conforme os interesses geoestratégicos envolvidos. Em 2019, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, apelou à “contenção” diante das mobilizações populares no Chile contra o modelo econômico herdado da ditadura de Pinochet, mesmo diante de mais de 400 casos documentados de mutilações oculares cometidas pelas forças de segurança (segundo a Human Rights Watch). Nenhuma sanção foi imposta ao governo chileno, tampouco houve qualquer moção do Conselho de Segurança. O argumento da “soberania nacional” foi invocado com incomum entusiasmo. Curiosamente, essa mesma soberania costuma ser prontamente ignorada quando os levantes ocorrem em países não alinhados aos centros de poder, como ocorreu no Haiti em 2004, quando o presidente Jean-Bertrand Aristide foi deposto sob circunstâncias ainda nebulosas, com envolvimento direto dos Estados Unidos e apoio tácito da ONU.


MANIFESTANTES PRO-PALESTINA SÃO REPRIMIDOS COM VIOLÊNCIA EM BERLIM, 16 DE MAI. DE 2025 ©EURONEWS
MANIFESTANTES PRO-PALESTINA SÃO REPRIMIDOS COM VIOLÊNCIA EM BERLIM, 16 DE MAI. DE 2025 ©EURONEWS

A Revolução Francesa, em sua fase jacobina, promoveu a radical redistribuição de terras, aboliu os privilégios feudais e executou representantes da aristocracia. Em nossos dias, tais ações seriam enquadradas como graves violações do Estado de Direito e ameaças à estabilidade econômica. O modelo dominante atual não tolera insurreições que ameacem os interesses do capital financeiro global ou que desafiem os tratados de comércio internacional – ainda que tais tratados imponham condições de desigualdade estrutural, como denunciado por organizações como a Oxfam em seus relatórios anuais sobre desigualdade econômica.


Não se trata, portanto, de um conjunto de casos isolados ou de falhas administrativas. O padrão é: movimentos que desafiam a ordem estabelecida por meio de mobilização popular são frequentemente reprimidos ou desacreditados quando não servem aos interesses das grandes potências. A linguagem dos direitos humanos e da democracia funciona como um dispositivo retórico, moldável às conveniências do momento. Na prática, o sistema internacional premia a estabilidade dos mercados, não a autodeterminação dos povos.


As implicações desse duplo padrão são profundas. Quando a luta popular é retratada como “terrorismo” ou “ameaça à ordem pública” por regimes autoritários aliados do Ocidente, e tais narrativas são endossadas por organismos multilaterais que deveriam zelar pela justiça internacional, o resultado é a legitimação da repressão e a deslegitimação da resistência. A Revolução Francesa, caso ocorresse sob as lentes do noticiário internacional atual, seria reduzida a uma ameaça à segurança, reprimida em nome da paz, e esquecida em nome da estabilidade.


O sistema internacional contemporâneo não se opõe à violência em si, mas apenas àquela que escapa ao seu controle. E nisso reside a verdadeira ameaça à liberdade. Alguma dúvida? Basta ler às últimas notícias referentes às manifestações pró-Palestina no "mundo civilizado" europeu e estadunidense.

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