Com mais de 120 mil desaparecidos, mães transformam o luto em resistência e assumem as buscas que o Estado mexicano não realiza
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Em ravinas e terrenos baldios do México, um exército de mães escava com as próprias mãos o que o Estado não procura: os corpos de seus filhos desaparecidos. Sem apoio das autoridades, elas enfrentam o medo, o crime organizado e a omissão estatal para dar nome aos mortos e paz aos vivos. Entre elas está Daniela González, de 40 anos, que desde 2022 busca seu filho Axel, desaparecido após uma festa familiar.

Daniela faz parte de um dos mais de 160 coletivos de busca formados por familiares de desaparecidos em todo o país. Em maio de 2025, ela desceu uma ravina de 20 metros em Palmas Axotitla, bairro de Álvaro Obregón, na Cidade do México, acompanhada por outras mães, bombeiros, policiais e peritos. O local, controlado por cartéis, é conhecido por abrigar valas usadas pelos criminosos. A operação foi autorizada após um ano de pressão sobre o governo local.
As mães afirmam que a presença de agentes de segurança em ações desse tipo costuma ser simbólica — um gesto de aparência mais do que de eficácia. “Somos nós que encontramos”, diz Daniela, com o rosto coberto de poeira e lágrimas. “Este trabalho é resistência, é reexistência, é amor.”

Enquanto escavava entre colchões rasgados e arames torcidos, Daniela acreditou por um instante ter encontrado o moletom do filho. O tecido coberto de lama a fez tremer, mas o tamanho e o logotipo não coincidiam.
“Achei que fosse ele. Meu peito desabou. Mas não era. Tenho que continuar.”
Desde o início da chamada “guerra às drogas” em 2006, o México acumula quase 120 mil desaparecidos. O conflito, iniciado pelo então governo de Felipe Calderón, fragmentou os grandes cartéis e multiplicou facções menores e mais violentas. A advogada de direitos humanos Alejandra Ortiz Díaz, de Monterrey, afirma que
“ao mirar os líderes sem combater a corrupção, o Estado criou vácuos de poder e fomentou novas guerras locais”.
Nos primeiros meses do governo da presidente Claudia Sheinbaum, iniciado em outubro de 2024, cerca de 4 mil pessoas desapareceram — uma média de 40 por dia. A maioria são adolescentes e jovens, vítimas de recrutamento forçado, exploração sexual ou execuções sumárias. Segundo Ortiz, “os tribunais são lentos, a coordenação entre agências é precária e as investigações raramente avançam”.
Diante da negligência, famílias assumem o papel do Estado. Elas organizam buscas, contratam peritos independentes e aprendem a identificar ossadas. Para muitas, o ato de procurar é a única forma de continuar vivendo. “Há uma parte que quer encontrar e outra que teme descobrir a verdade”, diz Daniela, limpando as mãos cobertas de lama ao final do dia.
Em meio a uma das piores crises humanitárias da América Latina, as mães mexicanas transformam a dor em força coletiva. Elas não pedem apenas justiça: exigem o direito de enterrar seus filhos e o fim do silêncio que cobre o país.




























































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