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Todo império cai — e o de Roma não sucumbiu pela lâmina da espada

Imagine um império tão vasto que se estendia do deserto do Saara às florestas da Germânia, das praias da Britânia às areias da Mesopotâmia. Estradas pavimentadas, aquedutos, bibliotecas, anfiteatros — tudo em escala monumental. Esse era o Império Romano, a superpotência que, por séculos, parecia invencível. Mas, no ano de 476 d.C., o que restava da parte ocidental desse colosso ruiu. Seu último imperador, Rômulo Augusto, foi deposto. A história registrou o ato como o fim de uma era. E a pergunta que ecoa até hoje é: como um império tão poderoso caiu?


Sean O'Pry por Mariano Vivanco | Cinecittà
Sean O'Pry por Mariano Vivanco | Cinecittà

Mais de 200 culpados para um mesmo crime

Desde o século XVIII, historiadores disputam explicações. O britânico Edward Gibbon, em sua obra monumental História do Declínio e Queda do Império Romano, apostou na própria “grandeza imoderada” como vilã: Roma teria colapsado sob o peso da corrupção, do excesso e da complacência.


Outros apontaram para causas econômicas, como a dependência quase total do trabalho escravo, o custo astronômico para sustentar o exército e a burocracia, além de uma carga tributária sufocante. E, claro, não faltaram guerras civis e invasões bárbaras para acelerar a decadência.


Mas as pesquisas mais recentes revelam que os inimigos mais letais de Roma talvez não empunhassem espadas.


O império que perdeu para o clima

A ascensão romana coincidiu com um período de estabilidade climática conhecido como Clima Ótimo Romano (c. 550 a.C.–150 d.C.). Chuvas regulares e temperaturas amenas garantiram colheitas fartas, população saudável e uma economia em expansão. Até o norte da África, hoje marcado por desertos, abrigava vastas áreas de cultivo.


Mas, a partir do século III, pequenas alterações na inclinação da Terra reduziram a energia solar recebida no Mediterrâneo. Vieram secas prolongadas, invernos mais rigorosos e verões menos quentes — desastres para uma agricultura baseada em previsibilidade. O bispo Cipriano, de Cartago, já lamentava: “O mundo envelheceu e não tem o vigor de antes. As chuvas são raras, o calor é insuficiente e as colheitas, escassas.”


O problema não era apenas a fome. Um clima instável significava também vulnerabilidade para outro inimigo invisível.


Epidemias: os bárbaros microscópicos

O vasto território romano era interligado por estradas, rotas marítimas e cidades superpovoadas. Um prato cheio para doenças contagiosas. A Peste Antonina (165–180 d.C.), provavelmente varíola, matou até 10% da população — cerca de 5 a 10 milhões de pessoas. Veio depois a Peste de Cipriano (249–270 d.C.), que alguns pesquisadores comparam a um surto de Ebola: febres intensas, vômitos, hemorragias e necrose nos membros. Cidades inteiras foram abandonadas; campos ficaram sem quem os cultivasse.


E, ironicamente, práticas vistas como símbolo de civilização, como os banhos públicos, ajudavam a espalhar parasitas e germes. Um estudo da Universidade de Cambridge mostrou que piscinas de água estagnada aquecidas ao sol viravam verdadeiras incubadoras de doenças.


A queda e a ironia da recuperação

O século III foi um pesadelo, mas Roma conseguiu se reerguer parcialmente no século IV, beneficiada por um ciclo climático mais úmido e pelo governo de líderes como Constantino I. Ainda assim, os problemas estruturais continuaram. Quando secas prolongadas atingiram a Ásia Central, povos nômades como os hunos migraram para o oeste, empurrando outras tribos contra as fronteiras romanas. Foi uma reação em cadeia de “refugiados climáticos” que culminou em novas ondas de invasões.


Em 476 d.C., o golpe final não veio de uma batalha épica, mas de um desgaste secular: economia fragilizada, sociedade exausta, fronteiras pressionadas e um planeta em mudança.


A lição que Roma nos deixou

Hoje, sabemos que impérios não caem apenas por corrupção ou inimigos externos. O colapso romano mostra que natureza e civilização estão mais entrelaçadas do que gostamos de admitir. Um ciclo de secas, uma mudança na temperatura média ou a mutação de um vírus podem ter tanto impacto quanto qualquer exército.


Afinal, como escreveu o historiador Kyle Harper, Roma foi moldada por imperadores e generais, mas também por bactérias, vulcões e ciclos solares. E essa talvez seja a maior advertência que a História nos oferece: não importa quão poderosa pareça, nenhuma civilização está acima das forças da natureza.

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